Assim poderia começar um belo texto de amor, de paixão. Mas aqui não é o lugar para isso. Não agora, não em breve.
Anos atrás, esse trecho escrito por Fernando Pessoa me fez pensar muito e passei a reler cartas dos meus ex’s. Ele tem razão: cartas de amor são rídiculas. Relia e pensava “que cara mais idiota” ou “quanta promessa quebrada” ou até mesmo ria, relembrando certos momentos.
Nostalgia, boa ou ruim, é palavra de ordem nesse momento fatídico que resolvemos abrir aquela caixinha que sempre está entocada em algum canto do armário. Um Tonny Bennet de fundo, Malrboro light queimando no canto da boca e metade de um Talento vermelho completam a cena, quando mergulho nessas águas profundas.
Pensei em quanta idiotice eu já devo ter escrito também. E deve ser muita… pois certa vez mesclei 11 mil “eu te amo” escritos à mão, com desenhos, poemas, letras de música. E já tinha dezoito anos! Triste essa parte da paixão de adolescência – ou seria da vida inteira?
Mas eu me considerava uma pessoa de sorte por nunca ter relido nada que escrevi no ápice do meu amor. Até o fim de semana que passou. Ao abrir a mala da minha filha, com a força de uma manada de elefantes, reapareceu uma caixa cheia de fotos coladas, feita como parte do presente do Dia dos namorados de 2005, e dentro inúmeras lembranças, cartas e recordações.
Confesso que chorei, que me machucou ter aquilo tudo de volta nas minhas mãos. Pois horas foram gastas, sentimentos verbalizados, ou um lapso de saudades que não deixou o guardanapo do boteco escapar ileso. Não entendi, achei que era brincadeira. Mas era tudo palpável, pegável: carteira, brinquedinhos, pingente. Meu passado ressurgia e não tinha como fugir!
Esperei que a criatura que eu e o antigo dono daquelas cartas geramos, dormisse e tomei a caixa em minhas mãos. Somente com uma toalha no corpo e uma garrafa d’água reli uma por uma das 147 cartas escritas ao longo dos 3 anos, 2 meses e 9 dias que passamos juntos.
Embora há muito ele jurasse não me amar, guardou cada pedacinho de papel que escrevi, cada brinquedo que comprei. Não sabia mais se chorava por ter lido que um dia existiu sentimento, por ele ter juntado tudo ou por ter me devolvido.
Mas Pessoa me deu outro tapa na cara: eu era uma rídicula. Nunca li tanta falta de amor-próprio, tanta baixa auto-estima, tanta dependência camuflada em palavras que berravam liberdade e desapego. Eu era uma doente terminal e não sabia. Já não era amor, era doença. Mais forte que heroína, mais viciante que o crack, mais difícil de vencer que minha bulimia.
Eu não só – achava que – amava desesperadamente, como tinha certeza da felicidade efêmera e da eternidade desse câncer. Quando terminei a última carta, e pela data era uma das primeiras, eu me senti esgotada física e emocionalmente. Como se tivesse feito sexo a noite toda e depois brigado com a minha mãe.
Eu precisava me livrar de todas as cartas, pois há meses luto para resgatar o que eu era antes de conhecê-lo, a melhor parte disso, na verdade. Eu não podia encarar aquela sombra de mulher por mais um segundo sequer.
Pensei em devolver, em ligar para ele e perguntar o por que dessa ousadia, em pôr fogo. Porém, como alguém normal, joguei uma por uma no lixo, dando adeus àquela verborréia que não mais fazia parte de mim. Enquanto o fazia, me sentia cada vez mais livre, cada vez mais forte…
Quando, por fim, despejei todo o conteúdo na lixeira do prédio, me senti livre, forte, amada por mim, renovada. Não havia mais vestígios de tudo que vivemos, de tudo que eu ludibriei. Tinha me libertado dele, de nós de UMA VEZ POR TODAS!
Quem sabe um dia eu escreva para ele e conte sobre a quarta vez que ele me proporcionou FELICIDADE. E será a mais rídicula das cartas de amor, será a MINHA.
Bibliografia:
http://euemeueu.wordpress.com/.../youve-got-a-letter/